quinta-feira, 28 de março de 2013

A ironia é extensa

Como poderei ser alguém,
Se apenas me sinto isto:
Um bloco de gelo à superfície,
Num abandono cruel e drasticamente real.
Que restos de nada serão necessários,
Para formar uma alma tão perdida como a minha?
O que resta de mim é a pura natureza do meu Ser,
E nada mais me importa,
Para além da degradação de tudo o que existe.

Mas não sejam tão crentes das minhas palavras.
O que vos garante que eu não minto
Da mesma forma que escrevo?
Posso ser tão real ou irreal,
Que pouco me afecta.
E pouco me afecta porque muitos «quase nada» já me afectaram.

Vivendo indignado com a minha pobre mente,
Limito-me a ouvir os sons da falta de sentido,
Seria tão irónico se me matasse.
Mais irónico ainda que a extrema ironia
De um poema intitulado «Irónico»,
E se existir, mesmo não sendo eu o autor,
Pertenceria apenas a mim,
Porque eu sinto a ofensa de simplesmente existir.

Foi-me dito que não deveria sentir-me triste,
Ou sequer angustiado,
Mas se nem isso posso sentir,
Que faço eu nesta dimensão corporal?
Mato-me ou deixo de cá vir?

Ricardo Rodrigues

Sem comentários:

Enviar um comentário